



Num artigo publicado a 17 de outubro de 2024, a UNICEF explica como a pobreza “rewires the brain”. A pobreza infantil está relacionada com efeitos imediatos e a longo prazo nas crianças. Crianças que vivem na pobreza, preocupam-se muito mais com o dinheiro da família, como reflexo das preocupações dos seus pais. Isto deixa-as mais vulneráveis a stress crónico. Esta exposição ao stress desde tenra idade tem impacto no desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças: reações exacerbadas a fatores do quotidiano, que resultam de dificuldades na sua regulação emocional; aumento dos níveis de cortisol, a “hormona do stress”, que dificulta a capacidade de aprendizagem e de atenção. Em termos interpessoais, verifica-se um aumento dos níveis de ansiedade, vergonha e baixa autoestima, pela constante comparação com outros estratos socioeconómicos.
Pensemos num exemplo prático, de uma menina que iremos chamar de Sara:


Infelizmente, existem muitas crianças como a Sara. Quase 900 milhões de crianças em todo o mundo vivem em condições de pobreza multidimensional.
Estes números mostram a dimensão dos desafios. No entanto, também é importante relembrar que as crianças não são apenas vítimas das circunstâncias: elas têm uma enorme capacidade de adaptação. Com apoio adequado, podem desenvolver resiliência – a força emocional que as ajuda a enfrentar dificuldades e a continuar a sonhar, mesmo perante a adversidade. As crianças podem desenvolver essa resiliência quando encontram fatores de proteção no seu dia a dia: uma relação estável e afetuosa com a família, escolas que funcionam como espaços seguros, programas de apoio psicossocial que lhes dão voz e confiança, e até momentos simples de brincadeira, que servem como válvula de escape emocional.
Falar com as crianças sobre pobreza é um exercício de empatia e de educação emocional. Antes de transmitir qualquer explicação, é fundamental ouvir o que a criança já sabe ou intui sobre o tema, bem como compreender os sentimentos que essa perceção desperta. O diálogo deve assentar em honestidade, mas também em serenidade, evitando tanto o alarmismo como o silêncio evasivo. A linguagem deve ser adaptada à idade e ao nível de compreensão, oferecendo respostas claras e seguras que ajudem a criança a integrar a realidade sem medo ou culpa. A validação emocional desempenha um papel central neste processo.
As crianças precisam de sentir que é legítimo ficarem tristes, preocupadas ou confusas perante a injustiça social. Quando o adulto acolhe essas emoções com empatia, está a oferecer um modelo de regulação emocional saudável. Ao mesmo tempo, é importante reforçar uma visão de esperança e ação, mostrando que, mesmo em contextos difíceis, há sempre formas de cuidar, partilhar e contribuir para um mundo melhor. Nas idades mais precoces, entre os três e os seis anos, bastam explicações simples e concretas, que descrevam a realidade de forma compreensível. Por exemplo, “Às vezes, as famílias não têm tudo o que precisam. Isso pode deixar-nos tristes, e está tudo bem sentirmo-nos assim.”
Já entre os sete e os onze anos, a criança começa a compreender relações de causa e efeito, o que permite introduzir pequenas reflexões e envolvê-la em gestos solidários, como campanhas de recolha de bens. Na adolescência, o diálogo deve tornar-se mais aberto e reflexivo, explorando as causas estruturais da pobreza e incentivando o pensamento crítico, o voluntariado e o envolvimento cívico. Pais e educadores devem ainda estar atentos a sinais de sofrimento persistente, tais como, alterações do sono, regressão comportamental, isolamento social ou sintomas físicos sem causa médica evidente e, nesses casos, procurar apoio profissional junto do médico de família, do psicólogo escolar ou dos serviços de saúde mental infantil. Mais do que transmitir informação, falar sobre pobreza é, em última análise, ensinar empatia, responsabilidade e humanidade.


Estas práticas simples, mas consistentes, ensinam às crianças que pedir e oferecer ajuda são gestos naturais de convivência humana. Ao mesmo tempo, reforçam a ideia de que o cuidado coletivo é uma forma concreta de combater a pobreza e as suas repercussões emocionais.
Erradicar a pobreza infantil não é apenas uma meta económica, mas um imperativo ético, social e emocional. Garantir que cada criança cresce num ambiente seguro, estável e afetivamente acolhedor é condição essencial para o seu desenvolvimento integral. Investir em proteção social, em escolas que promovam o bem-estar emocional e em programas de apoio psicossocial é investir no futuro coletivo, pois cada criança protegida emocionalmente é um adulto mais saudável, confiante e capaz de contribuir para uma sociedade justa. Combater a pobreza é, portanto, mais do que corrigir desigualdades materiais, é proteger o potencial humano e garantir que nenhuma criança é privada do direito de sonhar, aprender e prosperar plenamente.